sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

A igreja de Roma atual pode ser chamada de verdadeira igreja de Cristo?

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A igreja de Roma pode ser considerada sob um duplo prisma {schesei): como cristã, com respeito à profissão do Cristianismo e da verdade evangélica que ela retém, ou papal, com respeito à sujeição ao papa e às corrupções e erros capitais (seja quanto à fé ou quanto à moral) que ela mesclou com e edificou sobre essa verdade, além e contra a Palavra de Deus. Podemos falar dela de diferentes formas. No primeiro aspecto, não negamos que haja nela alguma verdade; no segundo (sob o qual ela é considerada aqui), porém, negamos que ela possa ser chamada de cristã e apostólica, mas anticristã e apóstata. Nesse sentido, confessamos que ela ainda pode, imprópria e relativamente, ser chamada de igreja cristã num tríplice aspecto. (1) Primeiro, com respeito ao povo de Deus ou os eleitos que ainda permanecem nela, aos quais se ordena que saiam dela, mesmo no tempo da destruição de Babilônia (Ap 18.4). (2) Com respeito à forma extema ou certas ruínas de uma igreja dispersa, nas quais seus traços ainda são vistos hoje, seja com respeito à Palavra de Deus e a pregação dela (a qual, ainda que corrompida, permanece nela), seja com respeito à administração dos sacramentos, especialmente o batismo, que ainda é preservado inteiro nela quanto à substância. (3) Com respeito às verdades cristãs e evangélicas concernentes: ao único e trino Deus; Cristo, o Deus- homem (theanthrõpõ) e Mediador, sua encarnação, morte e ressurreição; bem como outros tópicos doutrinais pelos quais ela se distingue das assembleias pagãs e infiéis. Negamos, porém, que ela possa simples e propriamente ser chamada de verdadeira igreja, muito menos a una e única igreja católica, como pretendem.
. Ora, a fim de demonstrar isso, mesmo esta única coisa seria suficiente (o que já provamos) - que a marca própria e essencial da verdadeira igreja não é outra senão a doutrina que é de conformidade com a Palavra de Deus (a qual está retida em qualquer assembleia). Isso é mais claro que a luz do meio dia, com base numa comparação instituída entre ambas, que a doutrina da igreja romana, em muitos artigos mui importantes, é diametralmente oposta às Escrituras. Por mais que os pigmentos e matizes sejam cobertos a fim de ocultar sua imundícia e, assim, suavizar sua desarmonia, por esse mesmo fato é evidente que ela nem é a verdadeira igreja nem pode ser assim chamada, a não ser falsamente. Porém para que isso seja ainda mais claramente evidente, devemos atentar para aquelas marcas e raios da divindade que brilham na Palavra, e pelos quais a doutrina salvadora e fundamental deve ser distinguida e provada, a qual é extraída da Palavra de Deus e é ensinada na verdadeira igreja (a saber, a verdade quanto à fé isenta de heresia; pureza na adoração purgada de toda superstição e idolatria; liberdade de governo à parte da servidão e tirania; santidade quanto à moral oposta aos vícios imundos e a impureza da carne; e a certeza e consolação equidistantes da dúvida e desconfiança). Portanto, como só pode ser chamada de igreja verdadeira aquela que mantém este fundamento da salvação e cuja doutrina exibe estes sinais, assim, toda e qualquer igreja que se acha destituída deles (justamente como pensamos sobre a igreja romana), afirmamos corretamente que ela não pode ser chamada de igreja verdadeira.
 Ela não apenas não edifica sobre o fundamento dos Profetas e apóstolos, nem repousa sobre ele como  uma dadeira igreja de Cristo (Ef 2.20; G1 1.8,9), mas em vários aspectos colide contra ele, seja mediante adição  a subtração- Primeiro, mediante adição: associando às  Escrituras canônicas, as quais nos foram dadas como refundamento das coisas  coisas a serem cridas e feitas, tradições humanas ' não-escritas (agraphous), rejeitadas pelo próprio Cristo (Mt 15.9), lançando outro fundamento além daquele que foi posto (ICo 3.11), inventando outro cabeça da igreja além de Cristo, outros méritos além de sua obediência exclusiva, outro sacrifício expiatório em adição à sua cruz, outro purgatório além de seu sangue, outros nomes pelos quais possamos ser salvos além do nome de Jesus e propondo mais doutrinas desse gênero que são totalmente incompatíveis (asystata) com os artigos fundamentais e, evidentemente, destruindo-os por consequência direta e imediata. Não merece ser ouvido quem crê que essas doutrinas podem ser harmonizadas entre si “porque os subordinados não divergem”, e que, ao acrescentar algo ao fundamento, não subverte imediatamente o próprio fundamento. Realmente, quem acrescenta ao fundamento coisas homogêneas não subverte o fundamento, mas quem lhe acrescenta coisas contrárias e muito incompatíveis (asystata), ao fazer isso, o subverte, pois junta coisas que não podem subsistir juntas (asynklõsta). E, assim, aquele que acrescenta tradições não-escritas (agraphous) para que sejam recebidas em pé de igualdade e reverência com as Escrituras, por esse mesmo fato nega que a Escritura é a regra à qual nada se pode acrescentar e da qual nada se pode tirar. Aquele que acrescenta ao sacrifício da cruz outro sacrifício
expiatório (hilastikon), por esse mesmo fato nega a unidade e perfeição do sacrifício de Cristo. Aquele que mistura outros méritos ao de Cristo nega que sua justiça nos seja suficiente. Assim, visto que sua unidade pertence à natureza do fundamento, de modo que nenhum outro pode ser lançado além daquele que já foi posto (1 Co 3.11), nem há salvação em qualquer outro além de Cristo (At 4.12), ninguém pode adicionar-lhe algo como fundamento sem destruir, ao adicionar, e opor-se, ao compor. Por isso Paulo, com tanta frequência, ensina a incompatibilidade de nossa justiça pessoal com a justiça de Cristo, do mérito das obras com a graça e a fé (Rm 10.3; 9.6; G1 5.4). E ele prova que o cabeça não é retido por aqueles que juntam a Cristo outros objetos de culto (Cl 2.19). Segundo, mediante subtração, sendo negadas a perfeição, integridade e autoridade da Escritura, sendo rejeitada a única justiça imputada de Cristo para nossa justificação diante de Deus, sendo pisoteado o segundo mandamento do Decálogo e sendo afastado do laicato o cálice sacramental.
Ela é apóstata e herética, havendo se apartado da fé  uma vez entregue aos santos, ensinando várias heresias letais e apresentando-as para que sejam cridas sob pena de anátema. Tais são as doutrinas concernentes à justificação pelas obras e seu mérito, satisfações e indulgências humanas, transubstanciação e o sacrifício da missa, pecado e livre-arbítrio, graça suficiente, observância possível da lei, pontífice romano e primazia papal, infalibilidade e autoridade da igreja, eficácia e número dos sacramentos, entre outras doutrinas errôneas afins, que existem entre eles, especialmente aquelas que são reputadas pelos apóstolos como sendo doutrinas de demônios (a saber, abstinência de alimentos e proibição do matrimônio, lTm 4.1,3*), como já se provou por nós nos devidos lugares e ainda se provará nos seguintes.
 E em vão o que aqui nossos oponentes replicam: (1) “Que tais erros não são fundamentais.” O próprio fato clama que os tópicos primários da fé são atacados por eles, tais como a perfeição da Palavra, a mediação de Cristo, a singularidade de seu sacrifício, a eficácia de sua graça e outros elementos semelhantes, nos quais consiste a essência da religião. Além disso, embora em si mesmos e em separado não sejam erros capitais, se tomam tais em conjunto por este mesmo fato - que, por eles, são postos entre os artigos necessários da fé, os quais são propostos para que sejam cridos sob pena de anátema, sendo a consciência forçosamente ligada a eles, mesmo que não convencida. Finalmente, ainda que nem todos sejam igualmente fundamentais, seria suficiente que um ou outro o fosse; aliás, isso seria suficiente para tomar a religião intolerável e falsa igreja, somente na qual a salvação não pode ser obtida. (2) “Muitas vezes as opiniões privadas dos doutores são propostas como sendo a opinião da igreja.” Porém que os erros supramencionados não são erros apenas de pessoas particulares, mas públicos, de toda a igreja, testifica-se mediante as sanções de concílios, decretos de papas e outros escritos autênticos semelhantes e da prática e uso de toda a igreja, na qual são prescritos para que sejam cridos e professados individualmente e por todos, como sendo doutrina comum e publicamente aceita. (3) “Que a mente da igreja romana é falsamente concebida por nós e é anexado a ela um significado falso.” Porém facilmente se descobre que nada mais falso e mais fora da razão pode dizer quem quiser atentamente realizar esse exame, nem a exposição e elucidações podem resultar nisto, as quais são colocadas juntas por alguns como sendo as colunas dos erros, cobrindo a peçonha e evitando o crime de idolatria (como foi feito recentemente pelo bispo Condomensis [Bossuet] em seu Exposition de la doctrine de l'Eglise catholique [1678]). Toda e qualquer matiz que porventura usem nos engenhosos escritos desse gênero, com o intuito de velar os erros e lavar as manchas com que a face da igreja romana se acha tão poluída, deixa totalmente claro que estão tentando lançar fumaça ou estão empregando fraude, pela qual boas palavras dão a aparência de aproximar-se da verdade, enquanto que, no ínterim, nada é cancelado da fonte de todos os erros (i.e., a infalibilidade da igreja e a primazia do papa), para atrair e enganar mais facilmente os incautos. Se afastam da doutrina e da prática comuns e constantes da igreja e outro significado lhes são atribuídas além daquele das decisões dos concílios, as declarações dos papas, confissões e fórmulas públicas, e exibem outros escritos afins, os quais até aqui têm fincado raízes entre os principais suportes da igreja romana e seus mestres proeminentes. Isso é algo do qual ninguém poderia ser persuadido se isso, sem a clareza suficiente, tivesse sido entendido ou explicado como o significado de sua igreja.
“Os erros atribuídos a eles não emanam de sua doutrina, exceto por inferências, argumentações e consequências deduzidas dela e deveras rejeitados e reprovados por ela, os quais, por isso mesmo, não podem ser-lhes atribuídos sem a imputação de calúnia”, como diz o mesmo bispo (Doctrinae Catho- licae [1678], p. 14). Porém (a) aqui se supõe gratuitamente que nada foi anunciado direta e formalmente por seus homens que interfira com o fundamento. E, no entanto, a própria coisa francamente testifica o contrário. Porque aquilo de que (por consequências somente aquilo que deturpam e é reprovável) acusamos os romanistas, ou seja, que querem que as tradições sejam aceitas com uma fé sólida e com igual afeição de piedade e reverência que a Palavra escrita; que a missa é um sacrifício verdadeiro, próprio e propiciatório; que o papa é o cabeça da igreja; que a transubstanciação deve ser admitida; que existe um purgatório; que o homem não é justificado somente pela fé, mas também pelas obras; que o sacramento deve ser adorado com um culto inferior; que devemos curvar-nos com culto religioso ante as imagens de Deus, Cristo, a virgem e os santos; que os santos devem ser adorados e invocados; e outras doutrinas afins, quer teóricas, quer práticas. Os romanistas não professam direta e positivamente isso em doutrina e prática? Se certas consequências são lançadas contra eles, elas não são remotas, violentas e destituídas de evidências e do apoio da razão, mas são necessárias, próximas, evidentes e inatas, fluindo espontaneamente de seus princípios e tendo a função de prova sólida e necessária.
Assim, com base na doutrina da transubstanciação, no sacrifício sobre o altar, na adoração da hóstia e na invocação dos santos, inferimos, por consequência necessária, que a natureza do corpo de Cristo é destruída, o perfeitíssimo sacrifício da cruz é enfraquecido e a suprema honra devida a Deus é dada à criatura. E, da mesma forma, da comunhão sob uma só espécie, deduzimos que o sacramento é mutilado e a instituição de Cristo é violada. Da postulação de uma contradição necessariamente segue a remoção e a subversão da outra, a menos que queiramos criar uma contradição na coisa acrescida e manter uma oposição numa aposição. Nem pode a necessidade ou evidência dessas consequências ser obscurecida ou enfraquecida por vãs distinções sem importância (como pó lançado nos olhos), as quais as Escrituras não fornecem, nem as épocas antigas reconheceram, nem o povo entende, nem observa práticas introduzidas - aliás, abertamente destroem. (b) Então a nódoa de calúnia só se aplica quando se deduzem consequências não dos princípios recebidos e asseverados, mas dos princípios forjados e negados; não da opinião e prática pública e constante da igreja, mas da violência feita tanto às palavras quanto às confissões e à mente, perpetuamente, quanto ao princípio declarado e exposto. Tais são aquelas consequências que são mais iniquamente forçadas contra nós pelos romanistas, com base na distorção mui perversa dc nossa doutrina (que por essa razão, de modo violento e muito falso, não apenas não reconhecemos, mas de toda nossa alma descartamos e condenamos). Porém que nada desse gênero tem sido feito por nós, as definições da igreja romana, sua prática usual e constante disciplina o provam suficientemente, mesmo se ficarmos em silêncio.

Por João Vitor

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